O grande irmão está de olho em você. E não é o merda do Bial…
Esse romance escrito em 1948 foi um dos que mais impactaram a minha vida. A visita pelo mundo distópico e totalitário de 1984 deu um nó no meu cérebro, e ainda continuo a pensar em muitas coisas mesmo após o final da leitura. O enredo é bom, mas não é o interessante, não é o que impacta. O fascinante é conhecer um novo mundo – ás vezes acho nem é tão novo assim – através dos olhos de Wiston.
Wiston é uma pessoa comum que trabalha no Ministério da Verdade, e isso o torna responsável por reescrever a história todos os dias. A história tem um peso político importante, que é o de ser reescrito – se possível todos os dias – para legitimar o poder do partido, dar legitimidade ao projeto político. Isso é muito comum também em nossos dias, a história é sempre reescrita de modo a justificar o poder, justificar o projeto do governo atual. Por exemplo: na ditadura militar de 1964 a história foi violada várias vezes de modo a garantir aquela estampa de salvadores aos militares, tudo em nome da família e democracia. Na época do Brasil imperial ignorava-se totalmente a contribuição indígena e negra para a construção do caráter do brasileiro, tudo visava justificar o poder imperial. E assim foi reescrita – e violentada – por diversas vezes de modo a desvalorizar tudo o que tivera sido feito antes.
Para o “Partido” o passado não importa, ele é reescrito de acordo com o presente. O presente é o que importa, o poder mais necessariamente. O “Partido” não tinha nenhum plano para o futuro, era simplesmente o poder pelo poder, e para isso é necessário manter as pessoas com “medo”.
Hoje esse fato é muito influente em nossa sociedade. Vivemos em um tempo em que o “Ministério da Verdade é controlado por uma mídia, que distorce os fatos a seu bel prazer, de modo a garantir seus próprios interesses.
O “Partido” não está interessado em prezar pelas individualidades, é preciso quebrar o indivíduo para enchê-lo com os ideias que vêm de cima. O que importa é o Estado, nada pode estar acima do “Estado”.
Orwell não estava tão errado assim. Muito pelo contrário, o que me assusta é o fato de ele estar tão certo.
Em relação as “teletelas”, vivemos em uma sociedade elas estão presentes por todos os lados. Ás vezes não precisa nem ser uma câmera, as próprias pessoas se encarregam desse vil papel. Oras, é só pensar em quantas vezes você foi confrontado por conhecidos e parentes por fugir um pouco dos padrões tidos como “normais”. Ficar fora do que é estabelecido como “aceito” é perigoso, dando até mesmo margem para violência. Esse trecho obra de Orwell faz uma relação com o “panótipo” de Foucalt, onde as próprias pessoas são responsáveis por cobrar e propagar os valores estabelecidos pela sociedade. Se não fosse isso admitir ser homossexual não causaria tanto impacto entre certos setores da sociedade.
Estamos sendo observados e julgados o tempo todo. Uma pressão do caralho.
Em relação a censura e repressão, vivemos isso quase todos os dias. Estamos em uma época onde todos emitem sua opinião – mesmo que algumas opiniões venham carregadas de preconceitos -, entretanto estamos constantemente julgando e sendo julgados pelo diferente. Aquilo que é diferente nos incomoda, assim como pensar diferente do “Partido”.
Tem uma parte em que”1984″ toca na questão do viés nacionalista. O nacionalismo tem o poder de despertar o que há de pior nas pessoas, é alienante. É uma forma de pegar todo aquele sentimento de frustração e lançar em um único inimigo. Os “proletas” não sabem onde descarregar suas frustrações e é na hora do nacionalismo em que ele são direcionados, como uma simples massa de manobra nas mãos do partido. Um ódio voltado contra um inimigo inventado.
Isso é retratado no livro em uma passagem ou outra onde a guerra muda de lado. O inimigo – uma hora Eurásia, outra hora Lestásia – muda de acordo com os interesses de quem está no poder no momento.
Isso me fez pensar muitos nos dias de hoje…
Ao contrário do que o senso comum afirma, a obra não é uma crítica dirigida somente aos regimes comunistas, mas sim toda e qualquer forma de regime totalitário – independente de esquerda ou direita. Para isso é só contextualizar com a época em que a obra foi feita. 1948 era logo ali após a Segunda Guerra Mundial, uma época em que a democracia estava à mercê de regimes totalitários, era questionada, assim como nos dias de hoje. 1984 pode ser entendido como uma crítica direcionada a atualidade, onde nos julgamos livres. Somos condicionados por forças maiores que nos dizem o que comer, como nos comportar, aonde ir e como amar. Somos vítimas presas em uma engrenagem muito maior e complexa.
A guerra e a instabilidade social são algo estabelecidos quase como que em um tom proposital para a manutenção do interesses, da perpetuação de uma elite que não abre mão de seus privilégios. Seria possível sim a criação de uma sociedade onde todos usufruiriam de um bem estar, mas a grande massa enxergaria a falta de necessidade de ter uma elite, e assim tudo seria derrubado. Por isso, não é interessante o esclarecimento e o conforto das massas – por isso são feitas todas essas Pec’s estilo 241. Uma sensação de crise política, um clima de guerra é necessário para a manutenção do aparelho estatal, do status quo.
Mais do que uma narrativa, a obra é uma descrição de um futuro distópico bem plausível com características bem marcadas nos dias atuais. O destino final de Wiston na verdade pouco importou, o livro nunca se apresentou como uma aventura, uma briga entre o bem e o mal com um final feliz – deixa isso para as novelas.
É quase como um manual, algo como que maquiavélico, um estudo político do animal mais complexo de todos: o “homem”…
Desligue a sua televisão…. rsrrss