Sempre apostei nesse filme…
Queridos e queridas, hoje é um belo dia para tomar um café e fazer uma bela reflexão.
Confesso que quase não consegui assistir ao filme pelas circunstâncias da vida: trabalho, falta de tempo e por aí vai. Já havia desistido, ainda mais pelo fato de não ter o filme legendado aqui na região, o que me deixa muito incomodado. Muitos reclamam que não conseguem assistir ao filme e ler a legenda, mas afirmo que isso é apenas uma questão de hábito. Além do mais, a interpretação sempre ganha mais quando está no seu idioma original. Mas essa discussão fica para outro dia, afinal de contas, o que importa hoje é o excelentíssimo filme da Mulher Maravilha.
Sinceramente eu já havia desistido dos filmes da DC – aquele Batman e aquele Superman meia boca nunca me convenceram de nada, apesar de eu ter considerado o filme mediano. A única ponta de esperança era a Mulher Maravilha, se esse filme fosse ruim não haveria como salvar a Liga da Justiça. Tudo passava por esse filme.
Entretanto o que trouxe um tempero a mais para o filme foi o fato de ser, ou não ser, feminista. O que me assusta, pois em uma sociedade onde as mulheres são agredidas todos os dias o feminismo não deveria ser tratado como um tabu, e sim como uma regra. Feminismo não deveria causar polêmica, não deveria ser tratado como um “mimimi” sem fim. Todos deveríamos ser um pouco feministas. Infelizmente o termo é tratado como uma aberração por uma sociedade onde a juventude entrega-se nas mãos de bolsominions.
Bom, o filme é e não é feminista. Digamos que é o pontapé inicial de uma nova forma de pensar o papel da mulher. Vou elencar alguns pontos onde acredito haver feminismo. Provavelmente esquecerei alguns outros, portanto fiquem a vontade para acrescentar nos comentários.
- Acredito que a Mulher Maravilha conseguiu exercer uma forma de liderança que não existiu em nenhum filme de herói, nem mesmo nos excelentes filmes da Marvel. A figura do líder sempre fracassa em algum momento, o Superman parece um
bunda mole bobão, o Capitão América ainda não conseguiu acertar nesse ponto, o Batman do Ben Afleck então, nem me diga. Gal Gadot conseguiu me convencer de que realmente tem o espírito da liderança desde Batman vs Superman. A cena da trincheira foi claramente o divisor de águas, onde ela tomou as rédeas da situação. O filme que começou meio farofado brilhou a partir desse momento.
- O fato dela ter “dado em cima” (não acho que este termo ilustre bem o que quero dizer, mas não encontro outro que faça clara a ideia de que ela agiu de uma forma diferente do esperado para aquela situação) de Steve dentro do barquinho e não ao contrário. Ela acabou invertendo os papéis, constrangendo o personagem galã do filme. Mais uma vez ela toma as rédeas da situação onde tudo poderia ter sido levado para um cenário mais machista.
- Pequenos questionamentos durante o filme como a falta de mulheres no parlamento britânico, as roupas femininas que sacrificam o conforto em nome da beleza, os papeis subalternos que a mulheres exerciam. Tudo isso foi muito bem pontuado.
- Ela é uma personagem forte por si só, apesar de contar com um sidekick que lhe ajuda muito – principalmente no que corresponde a entender a mentalidade dos homens – da humanidade, no caso – ela é quem toma as decisões consideradas fundamentais no filme. O filme anda por causa dela, ela não precisaria de ninguém ali.
Esses foram alguns pontos que achei bem bacanas para trazer a nossa discussão. Mas, lembra quando eu disse que ele também é um filme que não é feminista. Isso fica bem claro no momento em que o roteiro deixa claro que foi Zeus quem criou Temiscira e as amazonas para proteger a sua criação. Olha só temos uma figura masculina por trás das cortinas. Que fique bem claro: isso não diminui o brilho do filme em nenhum momento, pelo menos na minha humilde opinião.
E além desta constatação, temos também o fato de que sim, o filme expõe todas estas situações levantadas, mas em momento algum assume um papel de “conscientizador do protagonismo feminino”. Ele é um filme de origem de uma grande heroína dos quadrinhos, dirigido e estrelado por mulheres, deixando as barreiras de gênero para trás e fazendo o que precisava ser feito, um bom filme!
Entretanto, tudo isso me levou a uma outra pergunta: Por que o protagonismo feminino é capaz de incomodar tanto, ainda mais nos dias de hoje?
Para responder a essa pergunta tive que voltar a minha veia de historiador, leitor de livros de história melhor dizendo. Tive de correr para os braços de Michelle Perrot em sua excelentíssima obra “Minha história das mulheres”.
Nessa obra a autora trabalha a ideia da “ausência” da figura feminina nos processos históricos. Esse “silêncio” é explicado pelo fato da mulher não aparecer no espaço público, que tinha toda a atenção dos relatos. Na maior parte da história o papel da mulher foi sempre relegado ao segundo plano, cuidando do lar, por isso invisível, sendo até mesmo colocada na mesma importância das crianças. Em muitas sociedades, a invisibilidade e o silêncio das mulheres fazem parte da ordem das coisas. Entre os gregos a figura feminina era proibida de aparecer em público, até mesmo na bíblia a mulher é responsável pelo pecado do homem. Até bem pouco tempo atrás, historicamente falando, a figura feminina era proibida de frequentar as escolas. Por isso as mulheres deixaram tão poucos vestígios escritos ou materiais, e por isso todo o protagonismo sempre foi reservado a figura masculina.
A figura masculina forte, dominante, machista cresceu na ausência – na exclusão, melhor dizendo – da presença feminina. E assim se acomodou no decorrer da história a ponto de acreditar em uma falsa superioridade masculina.
Hoje a mulher já não se esconde nas trevas da história, quer o protagonismo e isso assusta. Assusta principalmente aquelas pobres almas que se apegam a valores já ultrapassados.
Digo mais, hoje ninguém mais precisa permanecer em silêncio.
Um salve a Mulher Maravilha, ao feminismo e a todos os movimentos sociais…
“…Pois quem não vive em verdade, meu bem, flutua nas ilusões da mente de um louco qualquer…”
Criolo
Espero que tenham gostado do papo e da repercussão que o filme trouxe, só isso já valeria a pena. Agora deixa eu ir embora porque tenho que preparar a janta….
Carol Justo
Em 19.06.2017